Il Guarany / O Guarany

Theatro Municipal de São Paulo

Desde sua estreia, em 1870, a ópera Il Guarany, de Carlos Gomes, foi considerada um monumento quase intocável da lírica brasileira, sendo também um pilar daquilo que sempre se considerou como a identidade nacional. Em tons épicos, ela sugere o brasileiro como o fruto de um amor pueril de duas raças, o indígena nativo com o branco invasor. Em função disso, não poderia ser mais revolucionária a montagem encenada no Theatro Municipal, com concepção geral de Ailton Krenak, que propõe uma revisão vigorosa do mito da união pacífica entre invasores e nativos e do próprio estatuto das artes, fundado sobre parâmetros eurocêntricos — pois, além da inserção de música indígena no espetáculo, pela primeira vez os papeis dos personagens indígenas do enredo não são interpretados por brancos fantasiados, mas por indígenas de fato.

A identidade gráfica busca externar essa busca por subverter um “clássico” e, para tanto, insere a tradução para o português do título — O Guarani — intercalado ao título original, em italiano. Um movimento não apenas de equilíbrio entre as linguagens, mas entre valores e visões de mundo, já que O Guarani entra não só como título traduzido, mas como nome próprio. Com isso, propõe ao espectador uma nova maneira de olhar para a obra de Carlos Gomes e também, acima de tudo, para a própria identidade brasileira.

A mistura se dá pela intercalação silábica de ambos, tornando a leitura uma metáfora desse trânsito, sem que isso incorra em qualquer prejuízo à legibilidade. Complementando, a grafia do título em português é criada a partir de uma caligrafia executada pelo artista Denilson Baniwa e se coloca em profundo contraste com a pesada tipografia do título original que faz referência direta à imobilidade de um monumento cultural.